As minhas manhãs começam sempre com dois cafés, mas nos últimos dias as minhas manhãs têm começado com umas chávenas de água castanha, que parecem café, cheiram ligeiramente a café mas definitivamente não sabem café.
A minha rotina cafezeira é fácil de descrever. Ao contrário do hábito de muitos anos, em que me alimentava de café, ou melhor, das 10 gr de açúcar que punha nos vários cafés que tomava por dia, agora encerro o assunto rapidamente. Tomo um café assim que acordo, outro passado uns dez minutos e fecho a loja . É muito raro tomar mais cafés durante o resto do dia e não gosto de tomar café na rua. Quando, por acaso, isso acontece, não me considero satisfeita enquanto não tomo os dois cafézinhos caseiros da praxe. São estes os únicos que me satisfazem, são estes o meu verdadeiro prazer.
Prazer. É esta a palavra chave. E é em nome deste prazer que os meus cafés saem sempre a escaldar, com tanta espuma que a chávena vazia fica com um rebordo bem marcado, e são fortes e saborosos e deixam um cheiro a café pela casa toda. Ou melhor, eram tudo isto.
Há muito que não me acontecia, mas enganei-me a comprar o café. A marca está certa, o lote também mas a moagem é a errada. Na passagem em corrida pela prateleira do supermercado deitei a mão à embalagem do lado. Dei por isso só depois de a ter aberto, no momento em que a despejava para a caixa do café, aquela caixa que está junto da máquina e ao lado da taça com os cubos de açúcar.
A moagem era grossa. A moagem era para saco. E eu tinha comprado uma embalagem dupla. Dois sacos de café com aquele pó grosso, com aquele pó que nunca fará um café capaz de me satisfazer.
Atitude sensata? Pegar nas duas embalagens, deitá-las inteirinhas para o lixo e voltar à prateleira do supermercado, para desta vez voltar de lá com a moagem certa, a de máquina, a que me dá um dos meus prazeres diários. Mas não, nadinha, não o fiz e não o vou fazer.
O pó grosso passou pelo um, dois, três, pelo copo dos batidos, pela máquina dos sumos e apesar de continuar estupidamente grosso continua também na caixa de onde é suposto só sair para fazer cafés.
Quase em desespero de causa fui comprar mais café. Delta. Lote clássico. Moagem para máquina. Embalagem dupla. E que fiz com ele? Não, não fiz um café que me satisfizesse. Nada disso. Abri a embalagem e misturei-a com a outra. Havia de resultar. Tinha de resultar.
Não resultou. Voltei a beber duas chávenas de água castanha, voltei a dizer mal da vida e voltei a fechar cuidadosamente a caixa com o pó maldito lá dentro.
Três euros e quarenta e nove. € 3,49! Quase o preço de um único maço de tabaco, foi quanto me custaram as duas embalagens do pó errado. Práticamente irrelevante. Era lixo com elas e acabavam-se os dramas.
Mas lixo? Comida no lixo? Nem pensar, que isso só pode ser pecado. Não se deita comida para o lixo.
E é este o peso que eu carrego. O peso que quase todos carregamos. Que nos faz sentir culpados por deitar pão rijo para o lixo ou despejar o resto de uma sopa pela sanita. A comida é sagrada, não se desperdiça e muito menos se conspurca misturando-a com as impurezas de um esgoto ou de um balde de lixo.
O viver numa quinta resolveu muitos destes meus problemas de consciência, que do que uns não querem estão outros à espera e há sempre cães, gatos, patos no lago ou pássaros nas árvores para comerem as sobras, ou um monte de compostagem para o que eles não comem e assim sempre se aproveita tudo. Mas café em pó? Que se faz com café em pó?
Lixo nem pensar, que é pecado!
Restam-me portanto muitas mais manhãs miseráveis até conseguir, à razão de dois cafezinhos por dia, acabar com o que passou a ser um quilo de café com uma moagem que não lembra ao diabo.
Há 3 anos